Abri as janelas da vida, afastei as cortinas, os rasgados pedaços de pano velho amarelado que servem de barreira aos raios matinais, respirei e voltei a fazê-lo só para ter certeza de que não era imaginação minha. E durante os instantes decorridos, vi ao longe o sol laranja fundir-se criando uma linha única com o mar. Vi a brisa rebelde vir para me enlaçar em mim mesma, pegando-me nos fios de cabelo fazendo-os dançar, nos arrepios da pele fazendo-os surgir, nos olhos abertos, fechando-os e nos braços vazios que caiam sem vida ao lado do corpo, para os fazer circundar o cadáver vivo que pensa e respira mais do que nunca agora. Viro costas à janela que falou comigo durante momentos ainda abraçando o meu próprio corpo, revejo mais uma vez todos os cantos do quarto quase vazio onde me tenho vindo a declarar como parte da mobília. Assentam finalmente os fios de cabelo que haviam-se entregue ao bailado do vento desconhecido, para regressarem às costas frias, e caírem sem vida sobre as mesmas. Abrem-se os olhos para a realidade e todas as portas para a verdade, sempre esteve presente, encostado a um canto, e nunca importância mereceu ou ponta de raio solar lá chegou, nunca valeu credibilidade ou interesse, e nem por isso foi embora, desistiu de sua luta ou adormeceu enquanto esperava. Apenas manteve a certeza de que chegaria o dia em que iria acordar para a sua presença, como veio a acontecer hoje.

Uma Rapariga Esquecida Do Mundo

Laços de cetim


E em folhas tuas por centenas de vezes implorei em dezenas de linhas e praguejei em milhares de palavras, por mudanças. Foste companheiro e complacente em todos os “porquê?” repletos de desilusão e em todos os “porque não?” cheios de esperança. Gravados em ti estão pensamentos, confissões e sorrisos e sobre ti já rolaram muito mais q apenas lágrimas, impropérios e pétalas de rosas. De laços cor-de-rosa de cetim macio enfeitei uma vida e com eles apertava cada beijo, cada abraço que te descrevia. Impulsos de arrancar-te páginas, riscar todas as palavras que desenhavam os sonhos em promessas, lançar-te no ar para bem longe do canto onde me encosto e abraçar-te contra o peito quando nada mais tinha para abraçar, foram me misericordiosamente perdoados. Em ti, relatei vezes sem conta os dias em que paixões me levaram a rolar e a enrolar mais uma vez nos cobertores da vida e todos os abraços que contavam a melodia presente de cada declaração de amor. Amar pode trazer o conforto de uns lençóis quentes numa manhã chuvosa de inverno, quando o jornal faz companhia à chávena de café largados sobre a mesa ao fundo do quarto, junto à janela, pode fazer nos transportar o calor de fogueira de verão no peito, e uma imagem fixa na cabeça durante horas. Mas, apesar de todos os contratempos, demoras e incertezas, amar é a nossa casa, o templo em que dedicamos horas a determinada divindade, o regresso à felicidade pura de criança, o único livro que seriamos capazes de escrever sem nunca palavras nos faltarem.

Uma Rapariga Esquecida Do Mundo

De nada adiantou atravessar a floresta dos meus medos por um sonho inacabado. A morada a que pertenço nem se quer me reconhece. O amanhecer...