De nada adiantou atravessar a floresta dos meus medos por um sonho inacabado. A morada a que pertenço nem se quer me reconhece.
O amanhecer acordou de algum modo sem cor e foi impossível relembrar o dia em que tal não se sucedeu. Todos os meus pensamentos fluem de mim como ouro acabado de fundir. Não há forma alguma de esquecer as tuas palavras ou gravar o teu rosto em mim sem que me entregue à frieza tão cativante das trevas, minha segunda casa e ouvinte de todos os meus gritos silenciosos. Estas quatro paredes nunca foram tão vivas enquanto cativam todos os meus medos a ficarem aqui, só por mais uma noite, ou talvez, caso queiram, pelo resto da sua longa vida, enquanto vejo suas brincadeiras.
Depressa me apercebi da veracidade gélida do mundo. Tão depressa acordava de um anoitecer atordoado, como em seguida adormecia para um pôr do sol pacifico. Não sei como me mantive a flutuar tanto tempo nesta tempestade. O meu pensamento apenas se prendia ao cristalino do verde que tantas mentiras me contaram das suas orbitas sempre que os nossos olhares se cruzavam. Permaneceu assim ancorado à memoria do rosado paladar dos seus lábios que tantas vezes trilharam caminho por meu corpo sem nunca ter pressa de encontrar meta ou porto seguro. E poucas foram as vezes que não me debati sobre a saudade dos seus braços, ainda que cobertos de tinta, sempre desenharam a relação perfeita entre segurança e perigo. Talvez tenha sido o salgado da sua pele debaixo desta chuva tão doce que mantiveram os meus sentidos acordados. Talvez seja delírio da mente ou mesmo insanidade da alma. O que quer que tenha sido, é nele que a resposta reside mesmo que não haja resposta alguma.



Entrego-me ao mar como um pardal recém nascido se entrega ao vento, à vida e à sorte no seu primeiro voo .
Entrego-me à luz para que todos os fantasmas se escondam de uma vez .
Entrego-me a ti uma e outra vez para que todos os meus pesadelos saibam que nem uma única vez tiveram motivo para existirem, para que estes embalem suas coisas e corram o mais depressa possível para longe das amarras da minha imaginação .
E neste enredo de entregas, perco-me a mim e ao equilíbrio por entre os bosques da minha consciência oiço gritos mudos e luzes cegas de qualquer raio luminoso . Busco-me uma e outra vez e apenas encontro um cadáver vivo em frente ao espelho num quarto de paredes brancas . Chamo por ti em desespero e apenas as pontas dos teus dedos quentes como uma chávena de chá numa tarde chuvosa de Dezembro me recordam que o eco da minha voz na minha cabeça não é imaginação, estou viva e nas próximas horas serei o ser mais feliz de toda a galáxia .


Rolam as inseguranças por este chão, como se de folhas secas de um Outono distante se tratassem. Começa o reboliço de todos os dias. A luz perde intensidade, os medos saem à rua para uma parada noturna diária sem sentido, lugar ou jeito. Busco tua insegurança por entre as ruas, no meio do caos e tudo o que encontro são os meus devaneios. Há um cheiro a suor e solidão no ar, como se a sentença tivesse sido finalmente profetizada, quando tudo o que se sucedeu foi unicamente o pôr-do-sol. Por entre tropeços e rastejares, são sintetizadas frases sem sentido, sem esperança, sem possível concretização num futuro próximo de dias, horas ou segundos. Sinto tuas mãos percorrerem minha cintura ainda que possuam uma presença estranha, como se soubesse que não me pertences ou que não estou em tua lista de domínios, cedemos à harmonia do momento em breves segundos, para não nos lembrarmos na hora seguinte. Pairamos nos braços um do outro apenas para que a escuridão vá embora por hoje e no dia seguinte, quando o sol nascer, vivemos sem o outro.
Sossega amante descarado, estamos separados apenas até ao poente.




De nada adiantou atravessar a floresta dos meus medos por um sonho inacabado. A morada a que pertenço nem se quer me reconhece. O amanhecer...