Saía dos sonhos saltitando e dos pensamentos cambaleando tal como saí da realidade para me entregar ao fantasiado. Cruzo os braços diante do corpo e permaneço especada perante a cor do ar. Já lá vai o tempo em que fugi demasiadas vezes do medo para correr lado a lado com a segurança; ou os tempos em que desdenhava a sorte, desenhava sonhos, encontrava tesouros a cada fim de um arco-íris e em que me entregava ao vento, ao mar, à chuva, ao sol, a pessoas e a coisas sempre conseguindo voltar a mim intacta.
Por perdão supliquei tantas e demasiadas vezes aos deuses quando sobre mim trovejaram consequências divinas e rios de azar negro. Por sonhar, ver e não olhar, falhar e não sentir pesar, quebrei-me a mim e ao mundo em mil pedaços e demorei vidas e a noites a reconstruir o puzzle que havia atirado para o chão com desprezo. Vivi quem fui, e apenas desejava ter ainda réstia dessa saqueada essência imaculada de menina presente a cada sorriso. Nos olhos transporto o que vi, na voz o pesar de tudo o que já disse, na alma o que já fui e no corpo todas as entregas que já cometi e todos os sonhos que me esbofetearam.

Uma Rapariga Esquecida Do Mundo


Quantas batalhas perdidas estão inscritas em mim? Quantos sonhos irreversivelmente abandonados no meu olhar se encontram espelhados? Se tudo que não matasse, fortalecesse, bastariam noites para me fazer de guerreira de causas perdidas e fantasias saqueadas. Por vezes, o que não nos mata, nos destrói, nos ensina e corrói, nos maltrata. Aprendi pois, que nem sempre o mar é azul tal como nos traçados a que tantas horas dediquei em criança. Nem sempre os verdes dançam com o vento, tal como o sol não tem a mesma intensidade a cada novo amanhecer. Aprendi a não deixar passar, não pensar que nada é suficientemente insignificante para que de mim fúria arrancasse. É a sentir as faces vermelho carmesim de timidez, rir quase a faltar o ar sem que o barulho seja impedimento, é a abraçar como quem protege, beijar como quem ama e chorar como quem perde, que o sangue volta novamente a passear nas veias. É a deixar-se tomar pelos instintos, pelos impulsos e pelos preconceitos que se inicia uma corrida vitalícia por algo; quer seja por alguém, alguma coisa, ou simplesmente, o dia de amanhã, apenas é necessário que haja preguiça de inércia e fome de viver.


Uma Rapariga Esquecida Do Mundo

De nada adiantou atravessar a floresta dos meus medos por um sonho inacabado. A morada a que pertenço nem se quer me reconhece. O amanhecer...