E o frio proclamou glória, apareceu rejuvenescido, de sorriso no rosto e orgulho na voz, contemplando a sua vitória sobre nós. Não pude evitar, nem tu, e o nós também não foi suficiente para o impedir. Duas estátuas humanas, cada uma em sua vida, em seu pensamento, acompanhados pelos nossos ideais que já não fazemos questão em partilhar um com o outro, dividindo apenas o espaço, foi o que nos tornámos. O sentimento afogou-se nos mares do tempo e os sorrisos arrastados pelo vento foram. Sobram ainda pequenos, fracos e frágeis raios de vida que irradiamos, mas é fácil sentir-lhe o sabor a tempo contado, a velhice ou a morte por doença terminal.
E os mudos resgates de memória que fazemos, quando a voz já não transmite nada, os pequenos esforços que penosamente ainda elaboramos, correndo atrás de memórias que nos levam aos primeiros passos lado a lado, às primeiras palavras ditas ao mesmo tempo, aos actos loucos dignos apenas de quem ama muito mais do que respira, desvanecem-se no ar, perdem o sentido na racionalidade e o seu lugar na lembrança.
E de que vale permanecer aqui? A companhia já deixou de bastar e o olhar, agora também mudo, só fala a linguagem da solidão.
E perder-te vai deixando de ser ideia improvável de realização, para ser promovido a facto comprovado por cada lufada de ar que para a atmosfera pesada e fria mandamos, por cada metro que entre nós marca e ganha território, por cada suspiro de impaciência que de dentro de cada um se liberta, foge, corre e se espalha em nossa volta.

Uma Rapariga Esquecida Do Mundo

Turbilhão de descobertas



E aqui sentada ao alento, de meu turbilhão de pensamentos fujo com medo de que me consumam na sua seriedade. E tantos segundos vêm a parecer anos aqui, onde nada muda, onde sou quem fui, e quem um dia fui continua igual, tal qual criança teimosa e sonhadora que percorre seus sonhos.
Afasto cada nuvem, cada porção de algodão doce que flutua num mar azul gasoso por cima de minha cabeça com um sorriso e, se outrora dias de chuva cerrada, frio e escuridão se abateram sobre mim, hoje o dia começou, pela primeira vez, com um sol resplandecente, acolhedor, algo que este céu intacto de tranquilidade nunca havia visto. E, pelos olhos que nunca tal beleza passara, enche-se agora de brilho a cor apagada, para sorrirem como crianças e brilharem como as estrelas.

Uma Rapariga esquecida Do Mundo

pôr-do-Sol


E quando o sol desce ao nível dos meus olhos, perdem o sentido todas as preocupações para se instalar a calma porque venho a esperar todo o dia. É quando as nossas sombras ficam do tamanho de gigantes, que todas as gargalhadas ganham sentido e quando, como por ilusão, tudo parece brilhar sob o encanto da luz vermelho-fogo de fim de tarde. Os cabelos castanhos ganham a doçura de cor de mel, o verde vivo adormecido que enche o olhar, devolve a sua afectuosidade ao mundo, voltam a brilhar, a ter vida e mil e um sorrisos em poucos instantes. Sem nuvens de preocupação, sem poeiras medrosas, sem frios tenebrosos que nos amedrontem. Então o tempo congela, e o mundo pára de girar … e nada mais que este doce beijo poderia pedir.

Uma Rapariga Esquecida Do Mundo

Sei o sabor do Mundo, sei a agradável textura de cada gota de chuva que sobre mim já caiu, conheço o quente sabor a veneno da paixão, os ares da pura felicidade de viver e até decorei um dia, cada melodia presente em cada batimento cardíaco. Também eu um dia fiquei, parei e saboreei o vazio silencioso da escuridão sem nada para abraçar. Já corri em busca de muito, cai, chorei e rastejei até reunir forças para levantar e depois, um sorriso bastou para curar as feridas.
Já quis ser tudo, demasiado, e acabei por me perder na minha procura. Já quis ser barco no horizonte, cor do arco-íris ou apenas frescura de prado selvagem.
Já me entreguei às ondas do mar ou mesmo à secura da terra que piso, e no fim, admiti não ser ninguém.
Se por cada erro uma estrela me fosse dada, poderia dizer que, afinal, este céu estrelado me pertence.
Sim, já criei cores, ilusões e sorrisos em telas brancas e escalei até avistar uma nova vida, um novo abraço, ou uma gargalhada nunca antes ouvida. E de sonhos me enchi, para voltar a esvaziar.
Sorrir a tudo e a nada, cantar baixinho quando o mundo é grande demais para cada um, e nunca fechar por completo o cofre com a essência imaculada de criança, é a chave que encontrei para ser quem queria. Traz o brilho de cada raio de luz no olhar, e a essência de cada som na voz, e um dia, talvez um dia, encontres o q havias dado como desaparecido.

Uma Rapariga Esquecida Do Mundo

De nada adiantou atravessar a floresta dos meus medos por um sonho inacabado. A morada a que pertenço nem se quer me reconhece. O amanhecer...