Posso ter arriscado, perdido e arrastado minha consciência nas pedras e areias do rasto de vida que sigo. Posso ter fantasiado, pintando cores onde só havia preto, branco e cinzento, ou posto brilhos onde nada reluzia. Porém, todo o ser humano erra. Todo o ser humano cai e se machuca. Tudo o que é ser ama e sente saudade.
O que nos distingue é o tempo que aguentamos em sofrimento e a largura do sorriso que transportamos. É o acordar de manhã com sorriso de vencedor, apesar de termos adormecido nas lágrimas de quem é um perdedor. É mentir ao mundo e a nós mesmos com um sorriso, quando a nada há para sorrir mantendo-se o olhar o mais desleal contador de pensamentos.
Começa-se de novo, do inicio ou, simplesmente, de onde se ficou perdido desde a última vez.
Os estilhaços estão lançados, assim como a sorte dos dados, e espalhados consoante a sua sina, em minha volta, deixando de haver se quer sentido entre o que outrora fui, o que deixei de ser e o que serei a partir deste amanhecer.
As garantias de que se consiga efectivamente dar inicio ao inicio, perderam-se no perfume do vento.
Esta é uma história sem tema, um conto de fadas sem brilhos, uma conclusão sem tese defendida. Não garanto que voltarei a correr em busca do sabor adocicado de sonhar, que provei um dia, ou se quer do paladar salgado que a paixão deixa na língua.
Perdi muito hoje mal o sol se ergueu, demasiado. Perdi as palavras, as linhas e mesmo as folhas que constituíam o livro da minha vida, e até a voz me fugiu. Em instantes, fotografias e recordações foram queimadas nesta caixa vazia agora, por entre soluços e lágrimas que se lançavam na aventura de percorrer o relevo do meu rosto. Desesperava para que saísse uma palavra de minha boca, mas apenas na consciência soavam ideias absurdas de quem havia perdido mais uma parede que sustentava a sua vida. Deste-me muito, porém, retiras-te-me ainda mais como que brincando. É um fim, mas ao mesmo tempo, o inicio de um novo dia, e lá fora, o sol já se ergueu também e brilha como nunca .

Quebra-se o tempo e arrastam-se os pensamentos pela sujidade do chão húmido, da rua maltratada pela tempestade que se debateu noutra vida. Os pensamentos voaram para longe, e a racionalidade faleceu de solidão dentro deste casulo. Tanto caminho tenho vindo a percorrer e, no entanto, apareço agora, plantada, cravada com incredulidade no rosto estampada, no meio do nada, perante tudo.
Desvaneceram-se as cores, os sonhos e as fantasias, e a mão que outrora me apertava o corpo e sustentava a alma, desprendeu-se de mim, por insegurança. Mil certezas foram deitadas por terra por um erro. Mil sonhos de um futuro, postos em causa e a felicidade que justificava acordar a cada dia,estragada, saqueada à consciência. Luto a cada dia para que a mim regresse e a cada noite para que em mim termine tal fado.

De nada adiantou atravessar a floresta dos meus medos por um sonho inacabado. A morada a que pertenço nem se quer me reconhece. O amanhecer...