Como quando cantava aos verdes, dançava com o vento e deitava com a chuva... Plano no ar, na areia e nos sonhos e flutuo no espectro da luz sem saber onde atracar. A pequena criatura que ficava nervosa a cada chegada tua, o sorriso após cada tarde dispendida e a melancolia de cada despedida desvaneceram-se no crepúsculo para se reavivarem na memória. Virada a moeda de todos os lados possíveis ou corridas todas as linhas da palma da mão, busco o destino cega de avidez e embriagada loucura de quem busca algo melhor, ou simplesmente uma razão para acordar mais uma vez.
Já não corro e fujo das ondas frias, apenas me mantenho distante enquanto temo o rugir tenebroso das marés. Já não lanço impropérios ao vento cada vez que brinca e remexe meus cabelos, apenas deixo que este tente arrancar de mim a paciência e cansaço humanos, desistindo por si só, quando noticiar que não conseguirá irritar-me.
Apenas tento lutar contra as minhas ideias, recordações, ou talvez, eu mesma. Luto para esquecer, para caminhar mais uma passada, para respirar mesmo o ar estando tão saturado aqui, para sobreviver.

Uma Rapariga Esquecida Do Mundo

Com um sorriso terno e cativante te pedi que desligasses a luz e viesses juntar-te a mim neste chão bem longe de nós.
Pedi que desfiasses algumas palavras e histórias do tear da tua vida, que me surpreendesses com bravura e emocionasses com paixão. Supliquei que continuasses, não parasses nessa estrada de sonhos que percorrias montado em palavras esperançosas e na vivacidade que pertence apenas aos mais ambiciosos.
Continuaste, fazendo-me a vontade, mudaste-me o humor, os pensamentos e até a expressão em poucos segundos. Rompeste com a frieza e aqueceste-me o sorriso quando este se instalou na minha face para não mais se ausentar. Animaste o arco-íris presente no meu olhar e aclaraste-me a rouquidão da voz com gargalhadas espontâneas. E, quando o sol raiou nossos corpos, fechas-te as cortinas ao mundo e ignoraste o dia que começava, permanecendo sentado, pacientemente divertido nas histórias que inventavas só para que sorrisse mais uma vez.

Visto mais uma vez o casaco, e preparo-me para fugir destas paredes. Arrastando-o então pelo corpo, obrigo-o a envolver-me o cadáver e parto na ilusão de que a realidade lá fora será menos cruel. Com o cabelo em volta do rosto, retiro-me sem olhar para trás ou para o ontem e, pela primeira vez não deito um único olhar de zelo pelo que fica para trás, reconfortando-me após ouvir o barulho da porta a fechar-se, atrás de mim. Não sei se corro, ando ou simplesmente levito, sobre o corpo, um estado de dormência se instalou, tal como nos sentidos e nas sensações, não querendo render-se. As luzes reduzem-se a pequenos focos de luminosidade e os berrantes ruídos nocturnos da cidade, parecem distantes, apesar de estarem lado a lado comigo, aqui. Tudo que vejo é rapidamente esquecido; todas as danças, todos os ventos e qualquer raio de sol que sobre mim adormeceu. Apenas há anseio de parar, chegar ao fim da viagem, descobrir minha casa novamente entre os ramos de outrem.

De nada adiantou atravessar a floresta dos meus medos por um sonho inacabado. A morada a que pertenço nem se quer me reconhece. O amanhecer...