Como se ser inteiro bastasse. Como se também o sol não se fragmentasse todos os dias para me vir abraçar a mim, a ti, a ele e a nós.
Como se cada passo não acolhesse na sua leveza cada grão de pó deixado à deriva na estrada. Como se cada árvore não fragmentasse sua existência para se repartir pelos frutos germinados. Como se o passado não estivesse presente em cada dia que compõe o contemporâneo. Como se os medos não se fragmentassem deixando cada emoção tomar partido de um pedaço seu.
Se ser inteiro bastasse, eramos deuses e não reles minorias.
Se ser inteiro bastasse, seríamos pessoas e não repteis

Não fosse inglório todo e qualquer esforço humano, não fosse infeliz qualquer raio de sol no deserto, não fosse contraditório o ruído mundano, que os ponteiros dos relógios da vida parariam a sua corrida solitária e a ampulheta de júbilo descongelaria soltando seus grãos de areia.
Não fosse azul o céu e transparente a mágoa, que o mar rugiria mais alto de fúria a cada amanhecer.
Não fosse o corpo um mero refém da alma, prisioneiro mudo do destino e impotente face ao batimento cardíaco, que o respirar seria obrigação e não pura coincidência. Não fossem o sol e a Lua eternos adolescentes enamorados brincando às escondidas, e a chuva simples banho celeste.
Não fossem os verdes, verdes, e os cinzentos solitários, que viriam os Deuses irados para me julgar.
Não fosses tu água num deserto escaldante, fogo numa floresta seca, piquenique no campo em dia de verão.
Não fosses o tilintar dos copos em comemoração ou a paisagem paradísiaca que suscita e tenta minha vontade a cada toque teu sentido.
Não fosses céu, terra, ar e fogo, que tudo seria um nada, um copo vazio, uma poeira rasteira sem movimento, um cigarro apagado, uma caneta sem tinta, o destino sem fé.

De nada adiantou atravessar a floresta dos meus medos por um sonho inacabado. A morada a que pertenço nem se quer me reconhece. O amanhecer...