Fosse verdade, mentira ou pura coincidência de factos. Fosse por coragem, bravura destemida perante o destino inimigo ou mesmo pura insensatez. Fossem as estrelas lua e a lua o sol. Fosses tu o presente que não teria dó, ré ou mi de mim mesma. Perdi-te algures entre o pôr-do-sol da infância e o raiar do amanhecer enquanto mulher. Procurei-te em livros, fotografias e sitios e só te encontrei em recordações. Foste louco, incompreendido e herói de horas vagas. Foste poeta, navegador e até astronauta. Já foste o único cuja voz ansiei ouvir após um pesadelo e um dos demais que do outro lado, agarrado ao auscultador embora tremendo, me fizeste rir. Já foste doce nas minhas mãos e ruim no meu peito. Foste pesar nas minhas lágrimas e suor na minha frustração. Querido avô, tu foste um pedaço que de mim arrancaram, um "eu" que já fui . Eras o calor, a presença e o raiar da menina da qual me obrigaram a despedir antes do tempo, para o resto dos tempos. Nunca serás página virada, livro empoeiraddo ou livraria trancada à chave. Serás eternamente a estrela que juntos miravamos nas noites de verão, e o pôr-do-sol que esperavamos o dia todo para desfrutar na companhia um do outro, na varanda da casa de campo.
Hoje, hoje cedi. Não é por o ontem ter sido miserável ou pelos dias anteriores terem sido motivo. Hoje cedi, porque minha racionalidade se cansou da sua consciência e fugiu de mim, do corpo que a mantia presa à terra e da alma que a manipulava por entre jogos de sedução. Não é por as cartas que recebo tuas, virem em branco ou por memórias a mais, ou por palavras a menos. Não é por o teu abraço saber a saudade e cheirar a infância, ou por o amanhecer ter sido mais tardio ou mesmo pelo facto de, virando o relógio seus ponteiros, e fundindo-se estes numa simbiose intemporal, a responsabilidade crescer e a infância desvanecer sua existência nas doze badaladas. É pelos rios que se formam na minha potencialidade emotivamente fraca, que escorrem rosto abaixo sem barragem que os detenha. É pelo silêncio ser motivo de humilhação, gritando na minha cara que nada mais fiz que falhar, que tal como fardo eterno, nada mais farei senão decpcionar. Não é pelas saudades do que não vivi ou por sorrir aos sonhos que não sonhei. É por querer correr e não mexer músculo, é por sufocar num corpo sem ventilação pulmonar que seja considerada digna de um ser vivo, é por querer gritar e me encontrar numa sala à prova de som e de bala, com uma arma carregada em minhas mãos. Adeus vida, que se nada me deste, então tudo te tiro.

De nada adiantou atravessar a floresta dos meus medos por um sonho inacabado. A morada a que pertenço nem se quer me reconhece. O amanhecer...