Por entre calçadas de erros cometidos vigorosamente nesta estadia terrestre, perdi-me algures entre tentações carnais, corridas fugazes contra mim mesma, pecados regados a ira sem sentido ou lugar por entre as pedras desta calçada. Rendi-me à fraqueza dos membros, cheguei mesmo a rastejar, a cheirar o quente vibrante dos calhaus que passam seus dias torrando ao sol e lambendo a salinidade das movediças areias. Maltratei os trapos que me continuavam fiéis, pelo menos ao corpo, e amei o vento que sempre hipócrita foi, retirando-me o chão tal qual tapete sobre o qual se caminha, levando-me a cair vezes e vezes seguidas sem nunca mostrar remorsos. Tratava-me por criatura, fazia cara feia a todas as novidades, evitava cruzar-me com a felicidade na rua e gritava a todos que tentassem dizer-me a verdade.
Fui cega, muda e incapaz por tempos que perderam sua contagem nos anos ..

O vento soprava a um ritmo novo, mesmo que já conhecido. Virava-me as páginas como que por compaixão enquanto fazia a tinta correr pelos trilhos das linhas.
Ao longe, estalava a tinta das paredes, as que já tantas poeiras abraçaram, despem-se agora para brilharem com o sol. O verde vivo das folhas empalidece, enfraquece com consciência a sua existência, rendendo-se ao comum amarelo das searas de trigo, as únicas que me acolhem em horas como estas à deriva. Num gesto desprovido de malícia, fecho os olhos ao mundo e a mim, encontro-me então dançando num salão imaginado, cantando melodias suaves e sorrindo com os aromas a lavanda do cabelo molhado e alecrim dos campos que nunca devia ter esquecido.
De volta às origens, nunca meu lar havia sido tão real, tão vivo, tão falante, tão casa.

Por entre rendilhados e laços de cetim, passeam-se as mãos pelo território inimigo conquistado. Sente-se no salgado da pele o calor de um fim de tarde e nos beijos fugazes a saudade de anos perdidos em conquistas que nenhuma nação levou a elevar-se.
Guardam-se momentos, toques, flashes e palavras para recordar mais tarde, quando a luz e o barulho citadino se diminuírem até quase não existirem e fecha-se mais um capítulo, a cada tarde dispendida.
Percorro as colinas e os campos com o olhar, lançando olhares de desprezo ao constante tic-tac do relógio que me relembra a cada segundo, as demasiadas horas de solidão.
Corro todos os verdes, os amarelos e os transparentes, rindo quando dou conta de que nunca eternizei um momento por mais do que umas centenas de tic-tacs. Arrasto as mãos por entre as pedras e a cabeça por entre os ares, os cheiros e os pensamentos.
Perco-me a mim e ao Mundo e volto a encontra-me em poucos segundos..

De nada adiantou atravessar a floresta dos meus medos por um sonho inacabado. A morada a que pertenço nem se quer me reconhece. O amanhecer...